Pastor evangélico provoca polêmica ao criticar imagem de Sant’Ana durante romaria católica no interior do Pará

Círio marca a devoção à imagem de Sant’Ana, padroeira do município Divulgação/Mosconi Miranda Um vídeo publicado nas redes sociais no último sábado ...

Pastor evangélico provoca polêmica ao criticar imagem de Sant’Ana durante romaria católica no interior do Pará
Pastor evangélico provoca polêmica ao criticar imagem de Sant’Ana durante romaria católica no interior do Pará (Foto: Reprodução)

Círio marca a devoção à imagem de Sant’Ana, padroeira do município Divulgação/Mosconi Miranda Um vídeo publicado nas redes sociais no último sábado (19) gerou forte reação na comunidade de Igarapé-Miri, no nordeste do Pará. Nas imagens, um pastor da Assembleia de Deus da Vila de Maiauatá critica a veneração à imagem de Sant’Ana, padroeira do município, com declarações consideradas ofensivas à fé católica. No vídeo gravado pelo próprio pastor, Wilckson Almeida Castro, que congrega na Assembleia de Deus da vila, critica quem participa da romaria - uma das mais tradicionais da região, realizada há mais de 300 anos. "Estamos aqui nas ruas de Maiuatá e eu vi uma cena inusitada: eu passei agora aqui, eu vi um monte de católicos em volta de uma santa, Sant’Ana. É a fé que eles têm. Eles acreditam nela, mas não é a nossa fé", diz. 📲 Acesse o canal do g1 Pará no WhatsApp Pastor causa polêmica ao gravar vídeo em crítica a fiéis que participam de Círio no Pará Em seu discurso, o pastor segue pontuando diferenças na crença católica e evangélica. "O que me chamou atenção foi pessoas de idade, na rua, no sol, para adorar um Deus que tem boca e não fala, tem olhos e não vê. Nós que temos a Bíblia, nós sabemos disso. Eu espero que um dia o povo chegue a esse conhecimento, a essa verdade". Até a publicação desta reportagem, o pastor não havia se pronunciado sobre a polêmica. Polêmica As falas repercutiram negativamente entre fiéis e lideranças religiosas. Em nota oficial, a Paróquia de Sant’Ana, vinculada à Diocese de Cametá, manifestou “profundo repúdio” à atitude do religioso, argumentando que o conteúdo do vídeo atinge diretamente a devoção da comunidade, desrespeita os símbolos sagrados do catolicismo e fere o princípio do respeito inter-religioso previsto na Constituição Federal. A paróquia também destacou que o vídeo expõe, sem autorização, adolescentes e jovens do projeto social EMUPAS, o que infringe normas da legislação brasileira relativas à proteção de imagem de menores. Na segunda-feira (21), a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará, Subseção de Abaetetuba, também se pronunciou publicamente. Em nota, a entidade manifestou preocupação institucional e repúdio às declarações do pastor, que classificou como desrespeitosas à prática católica de veneração de imagens. A OAB reforçou que a liberdade religiosa é um direito fundamental e que atitudes como a registrada no vídeo podem configurar crime de intolerância religiosa, conforme o artigo 20 da Lei nº 7.716/1989. A entidade ainda conclamou o Ministério Público do Estado do Pará e a Polícia Civil a apurarem o caso e tomarem as providências cabíveis. A OAB ressaltou que a Festa de Sant’Ana constitui patrimônio cultural e religioso do povo de Igarapé-Miri, indo além da tradição católica. Para a entidade, trata-se de um símbolo da identidade social e cultural da cidade, em especial de suas comunidades ribeirinhas, cuja fé está fortemente vinculada a essa celebração centenária. Círio marca a devoção à imagem de Sant’Ana, padroeira do município Divulgação/Mosconi Miranda Uma tradição de mais de três séculos A festividade em honra a Sant’Ana ocorre há 311 anos e é considerada uma das mais antigas manifestações religiosas do estado do Pará. A devoção começou no início do século XVIII, quando imigrantes portugueses trouxeram a imagem da santa para a região. Em 1714, ocorreu a primeira festa em homenagem à padroeira, e em 1740 foi construída a igreja matriz, possivelmente com projeto do arquiteto italiano Antônio Landi. A tradição se consolidou como o maior evento religioso da região do Baixo Tocantins. Círio Fluvial de Sant'Ana reúne fiéis em manhã de fé e devoção em Igarapé-Miri O Círio de Sant’Ana, realizado anualmente em julho, movimenta milhares de fiéis em procissões terrestres e fluviais. Além do aspecto religioso, a festividade envolve a economia local, especialmente o comércio informal, o turismo religioso, o transporte fluvial e a produção artesanal. Para muitas famílias, é também uma forma de reafirmar sua fé e identidade coletiva. A festa representa, para o povo igarapé-miriense, uma expressão viva de pertencimento, história e resistência cultural. Liberdade religiosa e diálogo inter-religioso A Paróquia de Sant’Ana destacou, em sua nota, que a veneração aos santos é um elemento tradicional da fé católica, que os reconhece como modelos de vida cristã, mas não como divindades. A Igreja reserva exclusivamente a Deus a adoração. Ao atacar símbolos sagrados da fé católica, diz o comunicado, o pastor não apenas desrespeita práticas religiosas históricas da comunidade, mas também rompe com princípios de convivência pacífica entre diferentes credos. “Lamentamos que, em pleno século XXI, ainda se recorra à intolerância como forma de evangelização”, afirma a paróquia. A nota conclui com um apelo ao respeito mútuo entre diferentes expressões de fé e afirma que a resposta ao episódio deve ser o diálogo e a busca da paz. A OAB, por sua vez, reafirmou seu compromisso com a liberdade religiosa, a laicidade do Estado e a dignidade da pessoa humana. Para a entidade, a convivência harmônica e o respeito entre religiões são pilares do Estado Democrático de Direito. Desdobramentos Com a repercussão do vídeo, o caso agora pode ganhar desdobramentos jurídicos. A mobilização da OAB e da comunidade católica deve resultar na formalização de representações junto ao Ministério Público do Estado do Pará, que poderá investigar se houve incitação à intolerância religiosa ou violação de direitos fundamentais. A Delegacia de Polícia Civil também foi citada nas manifestações como responsável por averiguar o caso. Enquanto isso, os fiéis seguem com a programação da festividade de Sant’Ana, marcada pela fé, resistência cultural e, agora, pelo desejo de que a paz religiosa se restabeleça na comunidade. Para muitos moradores, o episódio serviu de alerta sobre os desafios ainda presentes na convivência entre diferentes credos, mesmo em localidades marcadas por uma história de fé tão profunda quanto a de Igarapé-Miri. 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