'Fazer ciência na Amazônia é um ato político': conheça Marlúcia Martins, cientista negra que escolheu a floresta como lugar de fala
Marlúcia Martins: mulher negra, cientista e amazônida por escolha Janine Valente No Dia Mundial da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, na sexta-feira (...

Marlúcia Martins: mulher negra, cientista e amazônida por escolha Janine Valente No Dia Mundial da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, na sexta-feira (25), a trajetória da ecóloga Marlúcia Martins simboliza múltiplas formas de resistência. Nascida no Rio de Janeiro, ela escolheu a Amazônia como destino ainda jovem, quando trocou uma vaga de mestrado na Unicamp por uma oportunidade no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), no Amazonas. Desde então, constrói sua vida e carreira na região, hoje como pesquisadora em Belém no Museu Paraense Emílio Goeldi, uma das instituições mais importantes do Brasil em estudos sobre biodiversidade e saberes amazônicos. Marlúcia é uma das vozes da ciência que questionam os modelos hegemônicos de desenvolvimento e apontam alternativas baseadas na diversidade – biológica, cultural e econômica. "A Amazônia é a antítese da tendência geral do capitalismo, da homogeneização dos modos de vida. E é justamente aí que está sua força e sua fragilidade", afirma. Para ela, fazer ciência na Amazônia é também um gesto político e uma forma de tradução do território para o mundo. Bioeconomia, COP30, resistência negra Em entrevista ao g1, Marlúcia fala sobre racismo estrutural, bioeconomia, COP30, resistência negra na ciência e a importância de reconhecer a Amazônia como um espaço de múltiplas vozes – inclusive a dela, como mulher negra e amazônida por escolha. Confira: O que representa, para você, ser uma mulher negra na ciência, vivendo e produzindo conhecimento na Amazônia? Ser mulher negra e cientista na Amazônia é, por si só, um ato de resistência. A ciência, assim como outros setores da sociedade amazônica, é uma base de enfrentamento, tanto contra os estereótipos que vêm de fora quanto para revelar a realidade complexa da região. A Amazônia não é um vazio a ser explorado. É cheia de vida, de cultura, de saberes. E o nosso papel é mostrar isso ao mundo. Você nasceu no Rio de Janeiro. Como foi essa escolha de vida pela Amazônia? Eu sou carioca, estudei na UFRJ e, quando decidi fazer mestrado em Ecologia, tinha três caminhos mais comuns: Brasília, Unicamp ou o INPA, no Amazonas. Fui aceita na Unicamp, mas também passei no INPA. Escolhi vir para a Amazônia, uma decisão que surpreendeu minha família, eu tinha só 20 anos. Depois vim para o Pará, e quando pisei aqui, me apaixonei. Entendi que esse era o meu lugar. O Museu Goeldi me acolheu como nenhum outro espaço antes. Como mulher negra, senti a diferença: em outros lugares, como Campinas, o racismo era evidente: eu era a única doutoranda negra na Unicamp. No Goeldi, encontrei espaço para ser, pensar e fazer ciência de forma integrada com o território. Marlúcia Martins fala sobre a Amazônia como território de resistência Janine Valente Você acredita que existe uma maneira “feminina” de fazer ciência? Sim. E não estou falando de algo biológico, mas de uma postura. Na minha área, que é a ecologia, vivi um tempo em que a teoria dominante era a da competição, tudo se explicava pela disputa entre espécies. Mas essa visão sempre me incomodou. Comecei a estudar mais a coexistência, os processos cooperativos. Acho que isso tem a ver com uma sensibilidade diferente, que muitas vezes é abafada num ambiente majoritariamente masculino e branco. Acredito na cooperação como força estruturante — tanto na natureza quanto na sociedade. Como você enxerga a importância da Amazônia nas discussões globais sobre o clima e a biodiversidade, especialmente com a aproximação da COP30? A Amazônia é a antítese da lógica capitalista e consumista que tenta homogeneizar tudo: culturas, economias, modos de vida. Aqui, a força está na diversidade biológica, social, cultural. Mas essa também é a nossa vulnerabilidade, porque tudo que nos ameaça vem tentando padronizar. É isso que o mundo precisa entender: a floresta não é só um estoque de carbono. Ela é um sistema vivo, funcional, do qual o homem amazônico faz parte. E é por isso que defendemos uma bioeconomia baseada na diversidade, não na lógica da commodity. Você fala em uma “voz amazônica” dentro da ciência. O que é isso? É o que temos construído em redes, diálogos e encontros com universidades, institutos e comunidades da região. Eu participo de vários coletivos, da Aliança pela Restauração da Amazônia ao Mosaico Gurupi. Esses espaços têm ajudado a consolidar uma concepção amazônica de ciência, sustentabilidade, economia. Não é algo individual, é coletivo. Existe, sim, uma voz amazônica, plural, diversa e firme, que tem muito a dizer ao mundo. Veja também: Encontro discute em Belém ideias para proteger a vida na Amazônia VÍDEOS: veja todas as notícias do Pará